Portugal iniciou a segunda fase de reabertura do turismo no país, Espanha, Holanda e Grécia seguem na mesma esteira. Daqui do Brasil, essa realidade é ainda um sonho distante. Pessoalmente, acho imprudente também para a Europa. Me soa como o anseio de voltar a um mundo que não está mais lá nesse momento. Mas fica a indagação: como será o turismo depois do Coronavírus?
Não ficaremos livres de novas ondas de contaminação enquanto não houver vacina, ou a imunização de rebanho, o que acontece quando uma quantidade gigantesca de pessoas já foi contaminada e ficou imune, interrompendo o ciclo. Isso, na melhor das hipóteses, seria ter cerca 70% da população infectada. O que, só no Brasil, representaria um número de mortes acima de 1 milhão. Fico com a espera da vacina, em casa, e deixo as viagens para depois. Senão para quando houver vacina, pelo menos para quando tivermos remédios eficazes e protocolos de tratamento.
De qualquer forma, enquanto vemos a vida voltar gradualmente na Europa, com seus cafés, restaurantes e pastelarias abertas (todos seguindo novos protocolos pós-pandemia de covid-19), nós, do lado de cá do Atlântico, exercitamos a esperança de uma viagem pelo além-mar para os dias futuros. Ou de carro pelo Brasil, onde me sinto mais no controle das variáveis do que em um avião.
O Covid-19 mudará de vez a forma como viajamos, desde a configuração de voos até, quem sabe, a criação de identidades digitais com informações sobre a nossa saúde. Também está no centro dessas discussões o tipo de destino que buscaremos, a maneira como vamos nos relacionar entre nós e com as experiências de viagem – a distância vai nos tornar mais frios, ou daremos mais valor a tudo? .
Eu cheguei a crer que a humanidade criaria mais consciência a respeito de tudo, e que no que se referia a viagens, iríamos atrás de conexões mais sinceras: experiências em destinos de natureza, sustentáveis, afetivas, mais espiritualizadas, cidades menores, raízes.
Pensamento alinhado também com uma pesquisa recente divulgada pelo Sebrae sobre o comportamento do viajante no momento seguinte ao isolamento social: o relatório aponta o aumento na valorização de temas como saúde, família, humanização, sustentabilidade, confiança e hiperconexão, valorização dos produtos locais.
Mas nada me surpreendeu mais negativamente do que as filas na porta das lojas quando França e China relaxaram seus isolamentos.
Em Paris, vimos uma Zara lotada, e a pergunta que ficou sem resposta foi onde fica a sustentabilidade e humanização quando se compra de uma loja que já figurou, não faz muito tempo, na lista de empresas que exploram mão-de-obra escrava?
Já em Guangzhou, a Hermès bateu o recorde de 2,5 milhões de euros em vendas no seu primeiro dia de reabertura. E eu achando que todos iam correr para o sol, o parque e para rever pessoas queridas.
O fato é que não há única humanidade, e portanto as pesquisas sobre tendências e nossas ideias sobre o novo mundo são apenas achismos generalizados. Nunca passamos por nada igual, é impossível prever para onde vamos, e todos pensamos diferentes uns dos outros. Vivemos em bolhas de consciências.
De qualquer forma, sigo – eu e minha pequena bolha – crendo que poderemos ser melhores. Poderemos não corroborar com o insustentável que naturalizamos ao longo dos últimos tempos. Ano passado estive na Rota Ecológica de Alagoas, um dos meus lugares preferidos na costa nordestina, e o testemunhamos duas experiências turísticas que podem ser determinantes dentro dessa reflexão.
Adriana Didier é dona da pousadas Borapirá e Aldeia Beijupirá, respectivamente em Tatuamunha e praia do Lage. Em seus terrenos, ela manteve os coqueiros, e há apenas alguns poucos bangalôs aqui e acolá, integrados à paisagem. Ela doou parte da propriedade para o projeto de preservação do peixe-boi, e defende que a preservação cultural e ambiental e o turismo sustentável são o único futuro para esse pedaço de Alagoas.
No outro extremo, o Réveillon dos Milagres reúne centenas de milhares de pessoas em raves que duram dias na praia desse pequeno pedaço de paraíso.
Quando acaba, deixa um rastro de lixo e poluição. Mas não só isso: para atender a esse mercado destrutivo e imediatista, empreendimentos imobiliários estão sendo erguidos à custa da derrubada de um sem fim de coqueiros – é possível ver do alto clarões abertos na mata- , e do despejo de pescadores que vivem há décadas nas praias.
Em Noronha, vi situação semelhante em outubro. A Latam, antes da pandemia, pressionava pela liberação de mais 2 voos noturnos diários para a ilha. Mais gente na ilha, e o impacto do funcionamento da pista durante a noite. O pedido de ampliação da malha contava com apoio de empresários, de olho no aumento do movimento turístico.
As casas avaranadas de madeira pré-fabricada estão sendo varridas por pousadas badaladas como a Maria Bonita, cujo sócio tem outros empreendimentos de impacto na ilha, enquanto matas e encostas vão sendo derrubadas para modernização e construção de bangalôs com piscinas. Numa ilha que falta água, e com um mar daqueles.
Com qual dos turismos depois do Coronavírus você fica? Em lugares como Noronha, na Amazônia ou em São Miguel, quais serão as nossas escolhas como viajantes? E vamos continuar gerando lixo, barulho, dissidência? Vamos aprender a coexistir nesse planeta e a respeitar as culturas e seus povos originários e locais?
Ailton Krenak, líder indígena, tem apontado sucessivamente para esse divórcio do homem com a natureza, e de como o Covid-19 é seletivo: ele só contamina seres humanos; o resto do planeta segue o curso. Está na hora de percebemos que o planeta não é nosso: somos nós que pertencemos a ele.
Acho que essa é a principal reflexão que tenho feito, enquanto sigo pesquisando minhas futuras viagens e formas de existir, na esperança de um mundo mais equilibrado. E você?